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O Paraíso Celeste
Visão de S. João Bosco
= 1.ª Parte =
O Paraíso Celeste
Visão de S. João Bosco
= 1.ª Parte =

A hora da Oração foi um pouco antecipada.
No Locutório, reuniram-se os estudantes, os artesãos e todas as pessoas da casa.
Dom Bosco tinha prometido falar no Domingo anterior, mas não pudera fazê-lo.
Imagine-se a expectativa geral.
Subiu à cátedra, saudado por palmas entusiásticas, como acontecia sempre que dava, daquele modo, a "boa noite" à comunidade inteira.
Fez o sinal de que ia falar, e imediatamente fez-se completo silêncio...
Na noite em que estive em Lanzo - iniciou D. Bosco -, chegada a hora de repousar, aconteceu-me que tive um sonho especial, que não tem nenhuma relação com sonhos normais.
São coisas muito estranhas.
Mas para os meus filhos não tenho segredos; abro-lhes inteiramente o coração.
Pensai o que quiserdes desse sonho.
Como diz S. Paulo, «quod bonum est tenete» [conservai o que é bom], se alguma coisa encontrardes nele que seja de proveito para a vossa alma, sabei aproveitar-vos disso.
Quem não quiser acreditar-me, que não acredite, pouco importa; mas que ninguém jamais zombe das coisas que vou dizer.
Peço-vos ainda que não o conteis, nem o comuniqueis por escrito, aos que não são desta casa.
Aos sonhos, pode dar-se a importância que os sonhos merecem, e os que não conhecem a nossa intimidade poderiam formar juízos erróneos, vendo as coisas de modo diferente do que são na realidade.
Não sabem eles que sois meus filhos, e que sempre vos digo tudo o que sei, e às vezes até mesmo o que não sei (risos gerais).
Mas o que um pai manifesta aos seus filhos queridos, para o bem deles, deve ficar entre o pai e os filhos, não passando adiante.
E ainda por outro motivo: É que em geral, quando se contam tais coisas por fora, ou se desfiguram os factos, ou se conta apenas uma parte deles, sendo por isso mal interpretados; de onde nasce dano, pois o mundo desprezaria o que não deve ser desprezado.
Deveis saber que, ordinariamente, temos sonhos quando dormimos.
Ora, na noite de 6 de Dezembro, enquanto eu estava no meu quarto, não me recordo bem se lendo, ou se dando voltas pelo aposento, ou se me havia já deitado, comecei a sonhar...
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A planície era toda azulada, como um mar calmo, embora o que eu visse não fosse água, parecendo um cristal límpido e luminoso.
Sob os meus pés, por trás de mim e de ambos os lados, via uma região à maneira dum litoral, à margem do oceano.
Largos e gigantescos caminhos dividiam aquela planície em vastíssimos jardins de indescritível beleza, todos estes repartidos em bosquezinhos, prados e canteiros de flores, de formas e cores variadas.
Nenhuma das nossas plantas pode dar-nos uma ideia daquelas, embora tenham com elas alguma semelhança.
As ervas, as flores, as árvores, as frutas, eram vistosíssimas e de belíssimo aspecto.
As folhas eram de ouro; os troncos e ramos, de diamante; correspondendo tudo o mais a tal riqueza.
Era impossível contar as diferentes espécies de plantas, e cada uma resplandecia com uma luz própria.
No meio daqueles jardins e em toda a extensão da planície, eu contemplava incontáveis edifícios de ordem, beleza, harmonia, magnificência e proporções, tão extraordinárias, que para a construção de um só deles me parecia que não seriam suficientes todos os tesouros da Terra.
E eu dizia para mim mesmo: Se os meus meninos tivessem uma destas casas, como gozariam, que felizes seriam e com quanto gosto viveriam nela!
Isto pensava eu, vendo externamente os palácios.
Qual não deveria ser então a sua magnificência interior!

As músicas do Padre Cagliero e de Dogliani nada têm de musical, se comparadas àquela!
Eram cem mil instrumentos, produzindo cada qual um som diverso do outro, enquanto todos os sons possíveis difundiam pelos ares as suas ondas sonoras.
A tão maravilhosos sons, somavam-se ainda os inebriantes coros de cantores.
Vi então uma grande multidão de pessoas que se encontrava naqueles jardins e se regozijava com com imensa alegria e satisfação.
Uns tocavam e outros cantavam; e cada voz, cada nota, produzia o efeito de mil instrumentos reunidos, todos diferentes uns dos outros.
Ao mesmo tempo, ouviam-se os diversos graus da escala harmónica, desde os mais baixos até aos mais agudos que se possam imaginar, mas todos em perfeita harmonia.
Ah, para descrever-vos tal harmonia, não existem comparações humanas!
Via-se, pelo rosto dos felizes habitantes do jardim, que os cantores não só experimentavam extraordinário prazer em cantar, mas ao mesmo tempo sentiam imenso gozo em ouvir cantar os demais.
Quanto mais um cantava, mais se lhe acendia o desejo de cantar, e quanto mais ouvia, mais desejava ouvir.
Era isto o que eles cantavam:
«Salus, honor, gloria Deo Patri Omnipotenti!... Auctor saeculi, qui erat, qui est, qui venturus est iudicare vivos et mortuos, in saecula saeculorum».
[Saudação, honra e glória a Deus Pai Omnipotente!... Autor do tempo, Aquele que era e que é, e que virá a julgar os vivos e os mortos, por todos os séculos dos séculos].

A multidão interminável dirigia-se para mim.
À sua frente, vinha (São) Domingos Sávio, e logo atrás dele vinham o Padre Alasonatti, o Padre Chiala, o Padre Giulitto, e muitos outros sacerdotes e clérigos, cada um deles conduzindo uma secção de jovens.
E eu perguntava a mim mesmo: Estou a dormir, ou estou acordado?
Batia as mãos uma na outra e tocava no meu peito, para certificar-me de que era realidade o que então via.
Chegada diante de mim toda aquela multidão, parou à distância de oito ou dez passos.
Brilhou então um relâmpago de luz mais viva; cessou a música e fez-se um silêncio profundo.
Todos os jovens estavam tomados pela maior alegria, que lhes transparecia no olhar, e nos seus rostos via-se a paz de uma felicidade perfeita.
Olhavam-me com um suave sorriso nos lábios, e parecia que desejavam falar, mas não falavam.
Então, adiantou-se Domingos Sávio, apenas alguns passos, e ficou tão próximo de mim que, se eu tivesse estendido a mão, certamente tê-lo-ia tocado.
Calava-se e olhava-me, sorrindo. Que belo ele estava!
As suas vestes eram verdadeiramente singulares:
Caía-lhe até aos pés uma túnica alvíssinia, coberta de diamantes e toda bordada de ouro.
Cingia-lhe a cintura uma ampla faixa vermelha, recamada com tantas pedras preciosas que uma quase tocava a outra, e entrelaçavam-se em desenhos tão maravilhosos, apresentando tanta beleza de cores, que eu, ao vê-lo, sentia-me fora de mim por tamanha admiração!
Pendia-lhe do pescoço um colar de flores raras, mas não naturais, parecendo como se as pétalas fossem de diamantes unidos entre si, sobre hastes de ouro; e assim era tudo o mais.
Essas flores refulgiam com luz sobre-humana, mais viva que a do Sol, que naquele instante brilhava com todo o esplendor duma manhã de Primavera.
As flores reflectiam os seus raios sobre o rosto cândido e corado (de Domingos Sávio), de modo indescritível, dando-lhe uma luz de modo tão singular, que nem se distinguiam bem as suas várias espécies.
A cabeça, tinha-a cingida com uma coroa de rosas; e os cabelos caíam-lhe sobre os ombros em ondulantes cachos, dando-lhe um ar tão pulcro, tão afectuoso, tão encantador, que parecia... parecia mesmo um Anjo!
(Continua)

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